Gostei do filme, ainda que não possa deixar de
concluir que o mesmo largamente me dececionou. O uso da música de Wagner e de
Strauss é inequivocamente fabuloso, a terra olhada em deleite ao som do Danúbio
azul a partir de uma valsa de satélites artificiais não deixa de criar um
ambiente onírico enquanto que o futuro, agora misturado com o passado, que este 2001 nos
mostra continua a manter a promessa de um sonho: o apelo de uma fronteira
derradeira, o prazer antecipado da viagem rumo ao absoluto desconhecido, a
imensidão do universo. Imagino, em retrospetiva, o fortíssimo impacto que este
filme deve ter tido quando surgiu, cerca de um ano antes de o Homem ter ido à Lua. Onze anos
passados do início do século XXI este filme prova um facto sobre o futuro: é
que, seja ele o que for, será muito diferente daquilo que imaginamos.
Coisas boas deste filme? A pureza estética, o
refinamento limpo dos traços, a arquitetura vagamente zen dos ambientes interiores, remanescente de um certo tipo de design de então. O match-cut do osso/nave é, de facto, uma das transições mais surpreendentes da história do cinema:
o melhor retrato do poder da espécie humana que já vi ser feito em três
segundos. Uma lentidão que, ainda que possa parecer exasperante ao espectador
de cinema de hoje, me agradou: um ritmo demorado, contido e sereno, a espaços
uma quase imobilidade, como se o filme fosse uma galeria de quadros. A sequência
da acoplagem do módulo EVA à nave Discovery One é, a esse respeito, exemplar:
longos minutos em que alternadamente vemos o astronauta, o seu rosto fechado
iluminado pelo painel de instrumentos, a carregar em botões e o módulo, encaixando-se
lentamente na nave. Também a sequência da viagem ao infinito, como que evocando
uma trip de ácido, coisa muito em voga (à época de produção do filme) mas
essencialmente a interposição das imagens estáticas do rosto do astronauta,
desfigurado pelas condições da viagem e pelo que nela viu: um exemplo de como o
filme joga abundantemente com o contraste entre a imagem em movimento e a
imagem estática. A tensão de certos momentos: o coro que acompanha a descoberta
dos monólitos é genuinamente perturbador, atestando a superior combinação de
som e imagem que o filme revela.
As fraquezas do filme estão, por outro lado,
diretamente relacionadas com os seus triunfos. Com efeito, Kubrick parece não
almejar a mais do que um simples exercício estético, e essa disposição como que se
torna cada vez mais clara à medida que a película se aproxima do fim. O que
começa com uma premissa efetivamente grandiosa (a origem do Homem) adensa-se
num mistério (a descoberta do segundo monólito na Lua), dilui-se numa interessante
história secundária (a revolta do quase humano computador Hal) e esbarra num
surrealismo bacoco. Como se o realizador tivesse, a dado momento, dito para si
próprio: que se dane o enredo, quem quiser perceber o filme que vá ler o livro.
Ora, isso irrita qualquer espectador minimamente interessado que não esteja,
simultaneamente, para entrar em teorias alegóricas excessivamente rebuscadas. Parece-me
portanto que o filme, ainda que mereça, do ponto de vista meramente estético,
um lugar entre os clássicos, se encontra genericamente sobreavaliado. Uma bela
laranja, mas com pouco sumo, afinal…
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