Por vezes o cinema
apenas entretém, por vezes nem isso, por vezes faz-nos pensar, outras vezes, no
entanto, inspira-nos e comove-nos, faz vibrar em nós cordas que o quotidiano
apressado tenta emudecer. La meglio
giuventù é um destes filmes: um longo intervalo no quotidiano apressado,
forçado pelos seus 366 minutos de duração, tão densos de emoção e temas fortes
que passam num ápice. Tinha-o visto há não muito tempo, mas uma viagem até
Itália entretanto feita suscitou-me a vontade de o rever.
O filme é tributário da longa tradição neorrealista
italiana, dando continuidade aos dramas familiares habituais no cinema
transalpino (e suas ramificações, porventura mais conhecidas, como O Padrinho de Copolla) e eloquentemente demostrando,
a esse respeito, a vitalidade da tradição (de facto, o único momento em que se
introduz um pouco de realismo mágico à maneira sul-americana acaba por ser
comparativamente embaraçoso: a sério, deixem isso para o Almodóvar…). De resto,
o filme é um excelente exemplo da sensibilidade humana que aprendemos a
apreciar (e a esperar) no cinema italiano. Folhetinesco no melhor sentido da
palavra, La meglio giuventù é
essencialmente um filme sobre a Itália, feito sem grandes preocupações de
inovação formal e colocando toda a ênfase naquilo que é realmente fundamental
em cinema: a arte de bem contar boas histórias. O registo vagamente épico, com
ecos homéricos entrecruzados com diversas referências culturais italianas,
consegue produzir uma síntese credível entre a história contemporânea de Itália
e o percurso das personagens. Das cheias de Florença à luta contra a máfia, das
manifestações estudantis à integração europeia, do terrorismo vermelho aos
desapontamentos da globalização, o filme é um belo e absorvente fresco de uma
juventude que efetivamente mudou o mundo, mudando-se a si própria no caminho. De
o rever sobrou-me, no entanto, a impressão reforçada de que o cinema não é
História, mas sim Arte (até porque há histórias na História que só a Arte pode
contar). E, com efeito, o filme transcende largamente a narração e revisitação
históricas para almejar a algo muito superior, que é aquela indefinível,
inefável, inenarrável chama que anima a vida a que, por falta de uma palavra
melhor, chamamos sonho.
Esta crítica poderia, portanto, começar no fim do
filme, no Cabo Norte, no sítio onde o mundo, o tempo e os homens reencontram a
sua ilusória circularidade e em que o sol da meia-noite, levemente afagando a
fria superfície do oceano para de novo se erguer traduz não um verdadeiro fim:
apenas um reinício, uma simbólica continuidade, o ténue fio tecido de memória e
esquecimento, preservação e destruição, que liga as gerações entre si.
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