Andava há muito a
resistir ao filme. Tinha vindo com uma revista, uma oferta que, no caso, não
desejava. De facto, havia mesmo comprado a revista pela revista, e não pelo
filme que a ela vinha acoplado: uma película que desconhecia e a que
rapidamente colei o rótulo de comédia romântica insonsa. O filme andou perdido
durante largos meses por entre as séries Y do Público (em que se deu o caso
inverso, ou seja, comprei o jornal por causa dos filmes) que, de resto, se têm
tornado elas mesmas crescentemente insonsas. Aqui há dias lá acabei por ver o
filme, após esgotar tudo o que havia das séries Y, terminando com um filme do Haneke a que, compreensivelmente, também andava a resistir. E, claro, era
efetivamente uma comédia romântica, ainda que não tão insonsa assim. Ou melhor,
insonsa na medida estrita da necessidade da sua função comunicativa. Ora vejamos…
A comédia romântica
mediana americana é um produto cultural que, apesar da sua estandardizada
previsibilidade narrativa (ou, porventura, precisamente por causa dela), tem uma
força ideológica impressionante. Há invariavelmente uma série de elementos
dados à partida entre os quais, inspirado por este filme, destaco dois. Há, por
um lado, o jovem que quer redescobrir as suas origens, neste caso (e como é
muito habitual nestes filmes) com a intenção meta-narrativa de escrever um
romance. As origens são, claro, familiares, porquanto estas são as únicas que a
psique americana é, na prática, capaz de conceber. Há, depois, e por outro
lado, a difusa ética romântica que anula o espaço da sexualidade, bem como a
configuração, de inspiração marcadamente protestante, dessa ética na forma de um
caminho messiânico: a lógica da pessoa certa que para nós que virá ou que já
está à espera algures e que se procura. Ou seja, as relações românticas funcionam,
nestes filmes, como um ersatz para a
busca ou a contemplação espirituais e religiosas. Estas duas lógicas
combinam-se numa mistura curiosa de construção identitária e coerção
inconsciente do indivíduo por si mesmo: procurando-se, estas personagens
encontram apenas o que a configuração moral da sociedade já tem preparado para
elas. Assim, a mulher suburbana de meia-idade acaba por se culpar a si mesma
pelo affair do seu marido, sentindo
que a vida de mãe a tempo inteiro a deserotiza para lá de qualquer
possibilidade de hétero e auto-valorização. Ao mesmo tempo, e de uma forma que
coincide com a própria ação, ela reafirma-se como a guardiã das regras morais
familiares, privando-se de uma aventura sexual equivalente. A sua filha
adolescente, por seu lado, e apesar das críticas à mãe, mostra ter entendido
bem a mensagem ao correr para os braços de um self-made man em potência que, na devida altura, a tratará também de suburbanizar arranjando o seu próprio affair. Quanto ao catalisador de tudo aquilo, damos com ele no final
do filme, aflito porque ainda não se casou (a tanto se resumia a sua busca identitária), mas a tratar do assunto com uma
empregada de mesa daquelas que andam sempre a despejar café solúvel nas canecas
dos clientes.
A função essencial de
uma ética religiosa mantém-se, assim, através destes objetos culturais
aparentemente insignificantes e manifestamente profanos. Os americanos são, de
resto, muito bons nisto: no limite, e como bons protestantes que são, tudo para
eles é, no fundo, religioso. Nada, em última instância, é inteiramente insonso,
nenhum objeto cultural é realmente inocente: tudo quer dizer alguma coisa, e é muitas
vezes nos filmes aparentemente mais pueris que encontramos as mensagens mais eficientes.
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