quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Jardim do Morro, Gaia

         
                    Na distância esboça-se o voltear das margens. Olham-se de soslaio, como um par que se exercita na magnética oscilação de um tango. É sensual. Há nos requebros do rio um certo ar de anca grácil, um serpentear de corpo adivinhado. Na superfície de tudo, como um segundo rosto que se cola à face oscilante da cidade, a névoa vai coando a luz do crepúsculo. Penso distraidamente, enquanto escrevo sentado num banco de jardim, que essa neblina é um véu etéreo que tolda linhas e confunde pormenores. Sobra, a meus olhos, nesta hora imprecisa, a ilusão de um quadro impressionista animado de ruídos distantes, vago ciciar de um dia que termina. Derrama-se a Ribeira diante de mim. Cores confusas, tons de uma velha tristeza, poema arquitectónico que ecoa, em cidade, aquele outro poema geológico que Torga leu nas encostas de S. Leonardo da Galafura.
               Que volteante ode, com versos sulcados de rabelos, com métrica feita de vinho, escreve este Douro que agora se deixa lentamente acinzentar à luz morna do poente?