segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

L'Illusionniste, Sylvain Chomet (2010)

          
                 Gosto de filmes de animação. Dos clássicos da Disney aos modernos filmes da Pixar, passando pelo anime japonês. Talvez como a consequência óbvia de uma boa parte da minha formação literária ter passado pela banda desenhada: quadrinhos (como diziam nas edições brasileiras tão comuns nos anos 80 e 90) do Pato Donald, Tio Patinhas, Rato Mickey, Pateta, livros do Tintim (que continuo a ler e reler avidamente), tiras da Mafalda, super-heróis da Marvel… É natural, portanto, que a animação seja uma parte importante das minhas preferências cinéfilas. Isto, claro, muito para lá da discussão sobre se a animação tradicional, a lápis ou plasticina, é melhor ou pior do que a moderna animação feita por computador. Pouco me interessa, francamente. O cinema é arte, e os métodos servem a arte, ponto. Importa, essencialmente, que as imagens comovam, impressionem, façam sonhar. Não se trata de substância ou substrato intelectual, se é europeu ou de Hollywood, não é mesmo à qualidade do argumento que me refiro. Ainda que o cinema seja, de certo modo, a síntese das artes, parece-me que vamos demasiadas vezes ver um filme como quem espera que lhe contem uma história. O cinema é sobretudo imagem. O resto é teatro, literatura, música…
                Os filmes de Jacques Tati têm essa qualidade. Reduzidíssimos no uso da palavra e habitualmente desprovidos de uma linearidade narrativa convencional, são cinema depurado. Cinema como já não se faz. Fica-se, neste filme, com a impressão vagamente deprimente que nos despedimos definitivamente de Monsieur Hulot. Ele, que já era frequentemente um estranho nos seus próprios filmes, em que interpelava, do lado do passado, a modernidade hiper-tecnológica então emergente, reaparece-nos neste filme, cansado e de olheiras fundas: uma recordação, uma fotografia antiga, um desenho animado… Há, de facto, em certos filmes, o mérito de nos fazerem recordar a magia inicial do cinema: aquele elemento que fazia multidões embasbacar diante de uma lanterna mágica, que fazia filas diante de bilheteiras, que fazia delirar gente crescida com uma coboiada ou que fazia uma sala inteira gritar de pavor com um carro acelerando em direcção à câmara… Esse elemento que mais não era do que a materialização do sonho.
              É na evocação do sonho que reside a beleza deste filme. Dos majestosos nevoeiros escoceses, por entre os quais se adivinham oníricos castelos; dos comboios, quando estes ainda metaforizavam a vida que se partilhava entre dois apeadeiros; de Paris, e de Montmarte, quando nas suas vielas ainda fluía a boémia cantada por Aznavour. E, essencialmente, na evocação das pessoas que viviam de fazer sonhar: dos ilusionistas, quando estes ainda eram mágicos; dos palhaços, antes de estes se tornarem mais trágicos do que cómicos; dos ventríloquos e dos trapezistas. É um longo crepúsculo de cores quentes matizadas de sépia, este filme. Os últimos lampejos de sonho antes do moderno e implacável mundo consumista, os acordes finais da chanson francesa antes da supremacia global anglo-saxónica, os derradeiros laivos de tendresse antes do sex, drugs and rock’n’roll