quinta-feira, 10 de maio de 2012

A Mamoa


               
                Da primeira vez que a vi, única que estive ao pé dela, um vento malévolo rasgava as rochas. À beira da estrada nacional uma placa castanha indicava-a: de tantas vezes ignorar o seu apelo decidi aceitá-lo. A subida da encosta por um trilho de pedras ladeava uma sucata. O limiar da aldeia, triste como o abandono, era um convite ao insondável. O vento doía-me na pele à medida que subia, o frio gelando o suor dos passos. Plantas rasteiras para lá do estreito trilho de pedras, duras como as próprias pedras; pesando sobre mim, a ameaça de um céu pesado, obscuro como a cúpula vazia de uma catedral. E então vi-a. Discreta elevação tumular, calhaus soltos, ventre telúrico, estranho mistério. Rodeando-a, apenas o tempo, eterno como as montanhas.
                Passo muitas vezes na autoestrada que a contorna. Procuro, com o olhar, discernir um ponto longínquo, um lugar para lá da velocidade circunstancial da minha existência. Procuro-lhe o perfil, um seio destacado do contorno ígneo do crepúsculo, envolto no afago agreste do vento. Ela lá está, por detrás da estação de serviço, sinalizando a porta que se abre para o outro lado do tempo.

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