A música é o segundo
andamento da 7.ª Sinfonia de Beethoven. É um trecho bastante conhecido, que
surgiu recentemente enquanto banda sonora do filme O Discurso do Rei.
Na banda sonora do filme a música aparece sob o
título Speaking unto Nations. Há uma nuance discursiva no título em inglês
que o nosso idioma demasiado igualitário não permite retratar exatamente, que é
a o significado transmitido pela preposição unto.
Falando a nações, portanto, mas falando de cima para baixo. A música transmite
sentimentos semelhantes. No filme, podemos lê-la à luz do velho nacionalismo europeu,
culminando no momento em que o velho Império Britânico declara guerra à rejuvenescida
Alemanha Nazi. Há algo de profundo e subterrâneo, de força de gigante
adormecido nos graves lentos dos violoncelos, uma vontade que acorda e progride
para os tons mais altos dos violinos. Há, essencialmente, um tom ominoso: uma
certa clareza que morrerá, uma inocência e espontaneidade que não mais terão
lugar na Europa. Nos versos de Philip Larkin:
Não mais essa inocência,
Nunca antes, ou desde então,
Como transmutando-se em passado
Sem uma palavra – os homens
Deixando jardins bem cuidados,
Os milhares de casamentos,
Durando apenas um pouco mais:
Nunca mais essa inocência.*
Parafraseando
Nietzsche e Leni Riefenstahl, a vontade que se ergue e esmaga sob o seu peso a insustentável
leveza das existências simples. A vontade, perguntaremos nós hoje, europeus contemporâneos,
mas que vontade? Saberemos nós ainda distinguir a vontade da inexorabilidade? Por
leitura hipertextual, a música conduz-me à pintura, Beethoven conduz-me a Goya.
E penso se o pintor espanhol (ou o seu aprendiz que rubricou O Colosso) estaria a pensar em nós ao
criar esta indistinta e assustadora visão do futuro.
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